A arte da rua no museu

Ontem eu tive o privilégio de participar de uma visita guiada, exclusiva para jornalistas, pela exposição “De Dentro Para Fora, De Fora Para Dentro”, que será aberta ao público hoje. Além de ter acesso ao espaço expositivo ainda vazio de pessoas e ruídos, pude conversar com Baixo Ribeiro, um dos curadores da mostra, e com os artistas Zezão, Stephan Doitschinoff, Titi Freak, Ramon Martins e Daniel Melim. Carlos Dias, que também integra a mostra, não estava lá. Foi uma experiência inesquecível. Logo de cara, a visão panôramica do cubo branco do Masp tomado pela arte da rua, me deixou sem fôlego.

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“Apesar de já termos participado de exposições em outros museu,s como o Memorial da América Latina e o Paço das Artes, estar no Masp dá uma nova dimensão de importância e visibilidade para a arte urbana”, disse Baixo Ribeiro.

Daqui a pouco eu conto mais sobre as conversas, por enquanto, tem mais um monte de fotos no Flickr do Moda Sem Frescura! Espia lá!

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Neste sábado, 4 de junho, às 16 horas, rola a abertura da exposição Coletiva Choque 2009, com obras dos artistas Zezão, Jaca (autor da obra acima), Carla Barth, Presto, Daniel Melim, Adam Wallacavage, Jeff Soto, Gachaco, Titi Freak e Yumi Takatsuka.

De acordo com o texto de divulgação do evento, escrito por Larissa Marques, o denominador comum entre os participantes é a “evolução do trabalho, tanto em conceito, quanto em qualidade de pintura. Baixo Ribeiro, sócio-proprietário da galeria, diz que “todos os artistas da Choque Cultural estão buscando ‘passar de fase’, subir um degrau. Eles tem estudado e experimentado como nunca, procurando o aprofundamento técnico e um trabalho mais consistente”.

Ainda segundo o press release:

Para esta exposição, Daniel Melim vai fazer uma instalação no porão da galeria, com as paredes pintadas, além de suas obras, como o que apresentou durante a quinta edição da SP-Arte, em maio deste ano. Daniel Melim é um expoente da stencil art, conhecido por seu trabalho no Jardim Limpão, em São Bernardo do Campo, onde pinta a fachada das casas, colore os becos e vielas.


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Zezão (autor da obra acima e já citado num post por causa do filme “No Traço do Invisível”, que foi exibido no Resfest), que é um dos artistas mais antigos da Choque Cultural, mostra a sua nova fase com trabalhos de colagem. Zezão também é conhecido por suas intervenções em galerias pluviais e na paisagem urbana, trabalho que o levou para outros universos como galerias de arte e museus.

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O veterano Jaca (acima) trouxe novas pinturas que concentram riqueza de detalhes. Começou a ilustrar quando ainda morava em Porto Alegre, incentivado por outra fera, Fábio Zimbres. Jaca construiu um imaginário próprio, rico em personagens e cenários doentios, algo entre o desenho infantil e o surreal.

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Parte da vanguarda que a Choque Cultural apresenta, surge a gaúcha Carla Barth que, além da carreira solo, integra o coletivo Upgrade do Macaco. Ela criou um mundo fantástico, de atmosfera psicodélica, com personagens que carregam, ao mesmo tempo, o mistério dos seres mitológicos e a simpatia dos desenhos infantis (foto acima). Suas esculturas de papier-mâché, técnica que explora com maestria, mostram bem a imponência estatuária confrontada à fragilidade do brinquedo.

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Presto é uma dos principais destaques da Coletiva, apresentando trabalhos em desenho e pintura muito delicados, além de suportes construídos (e destruídos) com exímio. O artista de 33 anos estudou na Escola Carlos de Campos, berço de artistas que se consagraram no graffiti paulistano, como Speto, osgemeos e Onesto. Começou a pintar nas ruas em 1996 e, desde então, desenvolve um imaginário próprio, formado por figuras fantásticas e uma caligrafia rebuscada, quase abstrata. A obra acima é dele.

Yumi Takatsuka apresenta novas obras nesta exposição, em que utiliza látex, tinta acrílica e automotiva, sempre sobre madeira. Yumi nasceu e vive, atualmente, no Brasil mas foi criada em Osaka. Fez exposições no Japão e participou da mostra Himegoto, na Choque Cultural, em 2006. Sua grande inspiração são os animais ligados à alimentação. A artista os pinta e desenha sem sentimentos de pena ou indignações. Ela está mais interessada em discutir essas sensações conflitantes contidas no processo do sacrifício para a geração de mais vida, num misto de sutil cromatismo e atmosfera lírica que motiva o observador a enxergar sua obra com mais profundidade.

Reunindo esses artistas, a Choque Cultural pretende apresentar sua progressão, resultado do intenso trabalho de curadoria e suporte à carreira de artistas jovens e consagrados dentro do cenário da arte urbana e contemporânea. “A Coletiva deve ser uma exposição emocionante e impressionante, com pinturas de qualidade e instalações de impacto para o visitante”, resume Eduardo Saretta, sócio-proprietário da galeria.

[todas as imagens: divulgação]

Zezão – O explorador do esgoto

O trabalho do grafiteiro Zezão é o tema central do filme “No Traço do Invisível”, das diretoras Laura Faerman e Marília Scharlach, apresentado em 19/05/2007 no Resfest em São Paulo.

Na abertura do Resfest, Laura Faerman e Marília Scharlach, diretoras do filme “No Traço do Invisível” subiram ao palco e agradeceram à equipe de filmagem, por ter entrado “naquela buraqueira”. O que as imagens mostram, logo a seguir, é mesmo uma buraqueira infernal, composta pelas galerias de esgoto do rio Tietê, pelo piscinão do Pacaembú e outros lugares para lá de trash, que o grafiteiro Zezão elege como suporte para sua arte.

Ver Zezão se embrenhar na imundície dos túneis causa, logo de cara, um certo incômodo visual e levanta algumas questões importantes. Por que uma pessoa se embrenha na rede de esgoto para grafitar onde ninguém vê? É um discurso social, é transgressão, é o quê?

Queremos tanto esquecer da parte feia da cidade, dos seus subterrâneos sujos, das suas áreas degradadas e decadentes. E no entanto, lá vai Zezão, sozinho pelos túneis, como um arqueólogo do lixo, deixando sua marca, suas belas formas fluidas e orgânicas, sempre em dois tons de azul. Para quê e para quem?

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha e o galerista Baixo Ribeiro (da Choque Cultural) analisam o trabalho do grafiteiro, falam do horror da decadência urbana, da impossibilidade de revitalizar as áreas mortas, da falha da civilização em criar e manter as cidades.

Não fica claro, no filme, o quanto estas reflexões fazem parte da intenção do artista, e isso deve ser entendido como uma qualidade e não uma falha. Zezão escala paredes, se equilibra em muros altos, pula em terrenos baldios, invade trilhos de trem, arromba portas em prédios abandonados. Suas ações falam por si. A câmera que o segue, cúmplice, espiona aquele mundo estranho e apocalíptico que não queremos ver. E termina por mostrar uma beleza às avessas, feita de avenidas sinuosas, curvas de rio, galerias subterrâneas. Vista do alto, a cidade se parece com os traços de Zezão.

O filme “No Traço do Invisível” está disponível no Youtube. Confere lá! 

Para ver mais imagens das obras de Zezão, no Flickr do artista, clique aqui.