Banzos de Natal

Na coluna Tesouros Sem Frescura desta quinta-feira, Liliane Oraggio descasca o abacaxi natalino. Não para incrementar uma receita de tender, mas para recolocar a ansiedade e a depressão, que muita gente sente nesta época do ano, no seu devido lugar. Fala, Lili!

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“Olha só a minha boneca!”

Fuçando no bau encontrei essa foto. Era 1970. Eu tinha sete anos e estava passeando num shopping em Miami, onde moravam meus avós. “Vai lá no colo do Papai Noel! Vai, Vai”. Eu não queria, já tinha tido experiências assustadoras com outros Bons Velhinhos em, no mínimo, quatro outras festas de Natal de que tinha lembrança. Ficava apavorada com o tamanho da criatura que surgia do nada, quando a festa estava bem boa. Eu abria o berreiro, sem dó. Agora essa: mesmo tão longe de casa, na delícia das minhas ferias, tinha pela frente aquele ser enorme e rubro pronto para me aconchegar. Argh! Mas, na época ainda não era desobediente. Fui. Se fecho os olhos ainda sinto o cheiro de colônia, a temperatura quase febril do homem que sorria metido no escafandro de lã vermelha, gordo legítimo, escondido pela barba 100% náilon. Para selar nosso estranhamento, ele queria que eu fizesse meus pedidos em inglês! O jeito foi sorrir para a câmera e cair fora da armadilha. Mas, a cena ficou presa na foto que os avós adoraram e mostraram para todos os vizinhos cubanos. “Olha só a minha boneca!”  Nesse dezembro de quase doismiledez,  a imagem salta da caixa e faço as contas… quase tudo mudou, mas ainda vivo às turras com Noel, resistindo ao seu colo convencional, ao aperto que provoca tudo que é estrangeiro em mim.

Banzos de Natal

Se você ama Natal nem leia este post que foi criado especialmente para aqueles que detestam as festas. Não é à toa que nessa época muita gente é capturada por uma espécie de tristeza grossa que, somada ao estresse, ao trânsito carregado e a vontade de se superar, acende o “abominável homem das neves” que existe em cada um de nós. Além dos shoppings, os consultórios de terapeutas ficam cheios de gente angustiada com o balanço do ano, com o trabalho sem fim, com a sensação de fracasso, de impotência e demais chorumelas. Claro, todas as queixas são legítimas, a questão pode ter raízes profundas e cabeludas na infância, mas dá para evitar tanto desconforto.

Nessa entrevista, a psicóloga Vera Couto fala dos principais antídotos contra os banzos de final de ano! E sem querer ser Poliana: a melhor coisa deste Natal é que é o dia mais longe do Natal do ano que vem. Já pensou nisso?

Liliane Oraggio – Por que essa época mexe tanto com a gente?
Vera Couto – Nesta época do ano há um acúmulo de “avaliações” internas e externas do que foi vivido. As pessoas podem passar por profundos estados de angústia e por uma constante sensação de desajustamento.

L. O. – Quais são os sentimentos que afloram nessa época?
V.C. – Os sentimentos mais comuns são tristeza, melancolia, frustração, que, normalmente, não costumam ser muito aceitos em nossa cultura extrovertida e nessa época do ano a extroversão é esperada, estimulada e quase exigida das pessoas. Isso pode provocar a sensação de “não pertencer” a este mundo. Tenho ouvido as pessoas dizerem que gostariam de estar numa casinha na montanha, em contato com a natureza, e não nos shoppings fazendo compras. Esta necessidade de recolhimento é legítima e não há nada de errado com isso. O contato com o sagrado exige recolhimento.

L.O. – Como lidar com o banzo natalino e escapar de armadilhas que nos arremessam para o ressentimento e a culpa?
V.C. – Uma das formas de não cair na armadilha é não ficar tão preocupada ou culpada por não estar conseguindo “dançar esta música”. É não exigir de si uma “euforia” que não se sente. Acolher seu estado anímico e legitimá-lo é um passo importante. Não há a menor necessidade de fugir ou culpar-se por não estar TÃO animada ou com o espírito tão consumista, por exemplo. Estes estados de recolhimento podem servir para resignificar essas datas sagradas que já tiveram, historicamente, outras funções em nossa vida social, psíquica e espiritual.

L.O. – É possível ter um Feliz Natal?
V.C – Esta máxima contém a armadilha do Feliz. Desde que essa celebração tenha um significado próprio, especial para cada um, podemos sim celebrá-la com um colorido especial, na medida das possibilidades e circunstâncias deste momento de vida. Não estaríamos, assim, verdadeiramente, celebrando algo novo que está nascendo?

Vera Couto é psicóloga e psicoterapeuta, com especialização em psicologia clínica na abordagem junguiana e psicologia educacional. Pesquisadora de mitologia grega e coordenadora de grupos de estudos há 20 anos.
Contato: veracouto@uol.com.br

Por Liliane Oraggio